sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019


As minhas duas filhas
No fresco claro-escuro da bela tarde que tomba,
Uma me lembra um cisne, e a outra uma pomba,
Muito belas, muito alegres, ó suavidade!
Vede, a irmã mais velha e a de menos idade
Sentadas junto ao jardim; e para as duas olhando,
Um ramo de cravos brancos, com os caules pousando
Num vaso de mármore, agitado pelo vento,
Sobre elas se inclina, imóvel e atento,
E tremendo na sombra, parece, assim curvado,
Um voo de borboletas em êxtase parado.

(Victor Hugo)


sexta-feira, 31 de agosto de 2018


Mahatma Ghandi

Se eu pudesse deixar algum presente a você,
deixaria o sentimento de amar a vida dos seres humanos.
A consciência de aprender tudo o que foi ensinado pelo tempo afora.
Lembraria os erros que foram cometidos para que não mais se repetissem.
A capacidade de escolher novos rumos.
Deixaria para você se pudesse, o respeito àquilo que é indispensável:
Além do pão, o trabalho.
Além do trabalho, a ação.
E, quando tudo mais faltasse, um segredo:
O de buscar no interior de si mesmo a resposta e a força para encontrar a saída.




terça-feira, 31 de outubro de 2017

Soneto XIII – Olavo Bilac
“Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!” E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto…
E conversamos toda a noite, enquanto
A via-láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora: “Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?”
E eu vos direi: Amei para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido

Capaz de ouvir e de entender estrelas”.

domingo, 20 de agosto de 2017

Aninha e suas pedras

Não te deixes destruir…
Ajuntando novas pedras
e construindo novos poemas.
Recria tua vida, sempre, sempre.
Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça.
Faz de tua vida mesquinha
um poema.
E viverás no coração dos jovens
e na memória das gerações que hão de vir.
Esta fonte é para uso de todos os sedentos.
Toma a tua parte.
Vem a estas páginas
e não entraves seu uso
aos que têm sede.

Cora Coralina




sexta-feira, 21 de julho de 2017

TRADUZIR-SE

Uma parte de mim
é todo mundo;
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera;
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta;
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente;
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem;
outra parte,
linguagem.

Traduzir-se uma parte
na outra parte
— que é uma questão
de vida ou morte —
será arte?

Ferreira Gullar





segunda-feira, 26 de junho de 2017

Poema do futuro

Conscientemente escrevo e, consciente medito o meu destino

No declive do tempo os anos correm,
Deslizam como a água, até que um dia
Um possível leitor pega num livro
E lê,
Lê displicentemente,
Por mero acaso, sem saber porquê.
Lê e sorri.
Sorri da construção do verso que destoa
No seu diferente ouvido;
Sorri dos termos que o poeta usou
Onde os fungos do tempo deixaram cheiro a mofo;
E sorri, quase ri, do íntimo sentido,
Do latejar antigo
Daquele corpo imóvel exumado
Da vala do poema.

Na história natural dos sentimentos
Tudo se transformou.
O amor tem outras falas,
A dor outras arestas,
A esperança outros disfarces,
A raiva outros esgares.
Estendido sobre a página, exposto e descoberto,
Exemplar curioso de um mundo ultrapassado,
É tudo quanto fica,
É tudo quanto resta
De um ser que entre outros seres
Vagueou sobre a Terra.

(António Gedeão)