segunda-feira, 26 de junho de 2017

Poema do futuro

Conscientemente escrevo e, consciente medito o meu destino

No declive do tempo os anos correm,
Deslizam como a água, até que um dia
Um possível leitor pega num livro
E lê,
Lê displicentemente,
Por mero acaso, sem saber porquê.
Lê e sorri.
Sorri da construção do verso que destoa
No seu diferente ouvido;
Sorri dos termos que o poeta usou
Onde os fungos do tempo deixaram cheiro a mofo;
E sorri, quase ri, do íntimo sentido,
Do latejar antigo
Daquele corpo imóvel exumado
Da vala do poema.

Na história natural dos sentimentos
Tudo se transformou.
O amor tem outras falas,
A dor outras arestas,
A esperança outros disfarces,
A raiva outros esgares.
Estendido sobre a página, exposto e descoberto,
Exemplar curioso de um mundo ultrapassado,
É tudo quanto fica,
É tudo quanto resta
De um ser que entre outros seres
Vagueou sobre a Terra.

(António Gedeão)





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